domingo, 1 de janeiro de 2017

Pronta

Fazia tempos que ela não amava ninguém. Anos. E essa ficha caiu no reveillon, entre o barulho ensurdecedor dos fogos, sufocada pelos abraços de parentes e até de desconhecidos encorajados pela cidra quente. 

Ela não amava fazia séculos! E mais um ano se iniciava, cutucando sua fé, instigando a esperança do amor.

Como era mesmo amar e ser amada? Quando aconteceu, onde estava? Qual era seu astral? Que tipo de roupa vestia? Alguma cor em especial? Ela estava à procura quando encontrou o amor ou ele simplesmente aconteceu? Queria tanto amar de novo que faria o que fosse preciso. Ou não faria nada, se essa fosse a saída.

Olhando o céu pintado de cores e luzes, ela inspirou tão profunda e dolorosamente que sentiu o corpo inflar. E pensou que, além de ar, ela tinha o peito cheio, cheio de amor. A cabeça, a boca, os olhos, as entranhas lotadas de amor, um amor acumulado por anos (que pareciam séculos), pronto para transbordar. 

Expirou devagar, olhos pregados no céu negro rabiscado de fogos, e percebeu que tinha amor pronto para vazar, e que assim que ele saísse de dentro dela, seria capaz de inundar ao redor. A situação era calamitosa: sentia que, pelos seus poros, o amor estava saindo. Ela transpirava amor e aquilo não pareceu terreno. Chegava a ser indecente. Instintivamente, cerrou os olhos. Se abraçou com força, sem carinho. Era a auto-censura.

Mas ela voltou a olhar o espetáculo nos céus. Tudo acontecendo tão desordenadamente. Tão bonito, sem pudor... E fez o inevitável paralelo: assim também era o amor. Um espetáculo aberto ao público. Porque só do lado de fora da gente, externo e exibindo-se, é que aquilo passava a ser amor de verdade.

Pensou, por fim, na sorte do próximo camarada. Ele ia ganhar dela, naquele ano que se iniciava (ela tinha certeza!), a melhor espécie de amor que existia: o destilado pelo tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário