domingo, 14 de junho de 2020

Janela

Serra Negra, 14 de junho de 2020.

Oi, como você tá, eu-do-futuro?
Espero que bem, vivendo dias "normais", na velha e boa rotina de sempre (olha só, a velha "eu" valorizando rotina e ansiando por ela!).

Por aqui, tudo na mesma. Na mesma loucura que começou meses atrás, quando o surreal se tornou cotidiano. Quando o impensável tomou nossa vida de assalto e tudo o que a gente sabe é que não sabe de nada. O dia seguinte? Que dia seguinte?

E daí vivo num misto de precaução extrema (sobrevivência) e surtos de porra-louquice (se viver é uma incerteza, bora aproveitar o presente).

Ok, a minha loucura é, de certo modo, calibrada, você me conhece... coloco na conta do ascendente Capricórnio. E nesse ímpeto (calculado) de viver o agora, furei a quarentena e vim pra cá, pra Serra Negra. Eu comigo mesma. Pra passar mais um Dia dos Namorados sozinha (4o ano seguido). Mas, pelo menos, acompanhada de novidades.

Pra minha surpresa, tudo aberto por aqui (com alguns protocolos, claro). Entre mascarados e banhos de álcool em gel, revivi dias "normais" (desculpe, não consigo mais escrever a palavra normal sem aspas).

Tomei sol na beira da piscina, acompanhada de galinhas d'angola atrevidas. Toquei violão (siiimmm, voltamos a ser amigos) olhando o horizonte verde pela generosa janela do quarto. Acordei assustada com o canto estridente do galo de estimação da dona da pousada.

Comi hambúrguer e tomei um chope num bar com mesinhas na calçada. Delícia... e dali observei as pessoas ainda sem jeito com tamanha liberdade - eu me incluo nessa. Parecia uma infração grave, sabe? Talvez fosse mesmo, já que baixou um novo decreto e, a partir de amanhã, tudo fecha de novo. E eu só penso na sorte de estar no lugar certo, na hora certa. Uma janela de flexibilidade que, por pura sorte, aproveitei (claro que entoei meu mantra preferido: "tudo na vida vem a mim com facilidade, alegria e glória").

Como vim parar aqui? Graças àquele siricutico que me é peculiar. 

Acordei dias atrás e me senti no filme "Feitiço do Tempo": tudo igual, repetidamente, por exatos 90 dias. Aquilo me angustiou muito e comecei a pesquisar cidades próximas com baixo índice de contaminados. Pensei em São Thomé das Letras, mas seria um grandessíssimo deja vu (já me rebelei, solteira num Dia dos Namorados de anos atrás, e fugi pra lá. Foi muito bom, aliás). Surgiu Serra Negra, sei lá como. 

Liguei pra algumas pousadas e... voilá: funcionando! Em poucos minutos, tinha decidido a viagem, reservado tudo, e passei a viver mais animada, com a simples perspectiva de passar dias diferentes, de me sentir livre de novo.

A "escapada" foi fundamental, mesmo.
Foram 3 dias me reconectando: com minha essência, com a natureza, com os pequenos prazeres, com tudo que está por vir quando tudo isso acabar. Sim, voltei a ser otimista, a acreditar em dias melhores, a ver minha solidão como uma fase, não como uma forma definitiva de viver. Até declarei meu amor a mim mesma, acredita? Volto com a mente leve e o coração em paz.

Espero, eu-do-futuro, que você esteja lendo essa carta em meio ao "velho e bom normal", relembrando desses tempos difíceis como um sonho ruim, que, quando a gente acorda, passa a agradecer imensamente cada pequena alegria. Nunca deixe de agradecer, viu?

Com amor,
Eu-hoje

<3


quinta-feira, 16 de abril de 2020

Término de história alguma

Quando a gente termina o que, na verdade, nem começou
o vazio é diferente.

Porque ele, o vazio, sempre esteve lá.
Cheio de vontades desvairadas.
De fantasias não realizadas.
De um amor que nunca viu um espelho.

Então a gente termina:
"não quero mais viver de migalhas, acabou".

E é hora de esvaziar o vazio.
Não alimentar as vontades.
Não dar lugar à imaginação.

Hora de matar as fantasias
(vou sentir saudade...)

O que sobra: o vazio.
O vazio comum. O nada.
Talvez nem o sofrimento sobre.
- Espero.

É um processo demorado, eu sei.
Por que foi muito tempo com fome.
E vibrando com cada bocadinho que
- vez ou outra - aparecia.
Aquele pouquinho que me enchia de esperanças.

Sabe?
Quando a gente termina o que, na verdade, nem começou
a gente começa a se dar valor.
E fim.

Quarentena

Isolamento.
Isola, mente.
Mente que me assola.
Somente hoje...
Pra sempre? Isola.
Nesse isolamento,
- desoladamente -
só.