sábado, 31 de dezembro de 2016

Reveillon

10,

9...

Aquela contagem regressiva veio em boa hora. Era a chance de Lívia zerar a alma.
Se é que isso é realmente possível. Zerar a alma significa passar uma borracha no passado e deixar a folha em branco, limpinha, pronta para receber palavras novas. Quiça desenhos. Coloridos! Sorriu.


8,

7...

Entre um número e outro, Lívia puxou o ar. Encheu o peito com ânimo. E imaginou ser aquele um ar mágico. Cheio de partículas revigorantes, capazes de transformar sua frágil auto-estima em uma super-auto-estima. Turbinar sua força de vontade, nem que seja à força. Ao entrar nos pulmões, o ar, novo, deu novo fôlego à velha Lívia. 

6,

5...

Lívia alisou o vestido branco com um quê de ansiedade. E lembrou-se então da calcinha nova, rosa como o amor. De algodão, simples e funcional como seu sonho. Sonho de um amor descomplicado. Puro. Adolescente. Sem rendas nem fitas. Um amor de algodão. Rosa.

4,

3...

Não faltava muito, pensou Lívia. Dois míseros números a separavam da sua nova vida. Uma vida com um novo emprego, com a volta ao curso de italiano e à dança, com a seleção mais criteriosa dos amigos, 

2...

com tempo para ser saudável e bonita, com escolhas assertivas e ousadia para viagens e aventuras,

1...

Com coragem para dizer quantos nãos forem preciso. E coragem para não ser legal o tempo todo.

ZERO...

A não ser consigo mesma. 

FELIZ ano (de) novo

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segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Os meios e o fim

Eles se beijaram algumas vezes, sempre final de noite, sempre desinibidos pelo álcool. Sexo? Em todas essas vezes. Nunca houve nenhuma promessa de que tal farra se transformaria em relacionamento. Quiçá amor. 

Ela sabia disso, sabia de tudo, aliás. Não se podia chamá-la de estúpida. Era, definitivamente, uma mulher esperta. E, nesta esperteza, tinha uma meta muito clara: fisgar aquele homem. A estratégia permanecia turva, mas uma vez definido o objetivo – pensava - o “como” era um mero detalhe. 

Revestiu-se de falsa humildade. Agüentou humilhações impensadas. Dividiu o objeto do seu afeto com outras mulheres. Sempre calada. E cada vez mais determinada. Na verdade, essa tremenda provação dava gana. Assim, lá estava ela, sempre pronta para os escassos beijos com gosto de chopp na alta madrugada. 

Aos poucos, a tática foi mostrando algum resultado. Sua presença discreta, que nada cobrava, passou a ser mais requisitada, especialmente numa fase em que o dia-a-dia dele era um caos completo. A mulher que ele realmente gostava mudou de país. O trabalho demandava horas-extras demais. Mal tinha tempo de ver os amigos e badalar. Nestes momentos confusos, ela era um aconchego, um rosto familiar (quase isso). Uma pessoa que estava sempre ali. Oferecendo carinho, silêncio e sexo. 

Uma viagem, alguns eventos juntos, mãos dadas certo dia num shopping. Pequenos gestos transformaram nada em alguma coisa. E o tempo trouxe o polimento que faltava para tornar aquilo em uma relação estável. Monogâmica. Tradicional. 

De forma a não restar dúvidas sobre sua obstinada vitória, ela engravidou.
Avisou-o pelo whatsapp a caminho do apartamento deles. 

Enquanto ela comemorava com um sorriso nos lábios e em habitual silêncio, ele pensava em uma forma de dar fim àquela miserável existência. Se perguntando como e quando tudo tinha ficado tão sem sentido. E, afinal, porque a vida era bege.

domingo, 25 de dezembro de 2016

Ressurreição

Era hora de andar com o cachorro. A cabeça latejando pedia uma neosaldina. Na verdade, duas. Medicada, fui me arrastando até a rua, puxada pelo pet. Podia virar à direita e seguir até a pracinha. Pra esquerda e o destino seria a banca de jornal. Mas resolvi atravessar a rua e entrei no cemitério, meu peculiar vizinho. Tranquilidade, silêncio, verde, alguns postes... tudo o que eu precisava naquele momento. Bom, talvez precisasse mais que isso: pensar na vida era minha necessidade mais urgente.

E em meio a lápides, flores murchas e cheiro permanente de vela, veio o óbvio pensamento da morte. Matutei sobre a finitude, sobre a única certeza que temos (morrer), a importância de dar valor às coisas que importam, a urgência de realizar sonhos e viver e tal. 

Mas também pensei que as coisas precisam ter um fim pra que outras situações surjam. Ou simplesmente pra dar um fim às coisas mesmo, nem que nada surja por causa disso.

Como é difícil a última pá de cal... Que sacrifício assumir a morte de algo ou de alguém (figurado) e, assumindo, passar pelo ritual: velar, enterrar, tentar esquecer, seguir em frente. Nesse sentido, a morte é muito justa: não existe esperança. Acabou. Fim. Ninguém se engana a esse respeito. Você só tem uma saída a partir dali: aprender a viver sem. Uns se saem melhor, outros nem tanto. Outros simplesmente não conseguem e vivem a visitar a lápide, colocar flores (na maioria das vezes, de plástico - afinal, "as flores de plástico não morrem"), remoer a história, esperar o milagre. 

Pensando bem, o único milagre possível no fim definitivo de algo/alguém é a chance de viver algo/alguém novo. É o SEU recomeço e não o daquilo/daquele que morreu. Essa é a ressurreição possível.

Teria ficado muito mais ali, pensando na vida (ou na morte), elocubrando os enterros que preciso fazer, não fosse a escuridão que tomou o lugar. E se tem alguma coisa que me bota medo nessa vida é um cemitério à noite. Cheio de fantasmas que eu mesma criei.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Pedido

"Querido Sei-lá-Quem... Deus, Senhor, Pai Celestial, whatever!

Rascunho essas pobres linhas pra te pedir uma dádiva. Justo eu, orgulhosa e um tanto cética, que nunca te pedi nada... resolvi fazer. Escrever mesmo. Mentalizar. Apelar. 

Eu quero um namorado! 

Mas não qualquer um. Você sabe, (dizem que Você sabe tudo), sempre fui seletiva. E com o passar dos anos (e eles teimam em passar) apurei bastante o querer. No frigir dos ovos, sei bem qual o recheio que quero na minha próxima omelete, se é que me fiz entender.

Quero um namorado charmoso (veja que abri mão do quesito “bonito”), que exiba um belo sorriso. Daqueles francos, que desarmam e apaixonam. E que seja alto, pra gente formar um casal proporcional, de dar gosto de ver, sabe? Uns 10 cm mais alto que eu tá de bom tamanho.

Quero um cara, pra variar, alguns anos mais velho que eu (olha que mudança significativa). E que esteja no rumo certo em sua carreira, ou que esteja buscando se encontrar, mas sem frustrações. Preferencialmente que já tenha um filho, ou mais de um, não me importo. Adoro família grande. Aliás, que ele seja bem “família”. E que seja muito bem resolvido com sua ex. 

Por falar em resolvido, espero que ele não precise provar nada pra ninguém. Que não seja exibicionista, fanfarrão, que não precise de platéia, que seja até um pouco tímido... Ah, o charme dos tímidos. Mas que ele goste de gente, de agito, de risadas, de emoção. Que ame música, que toque um instrumento (violão?), que saiba dançar um pouco e que seja louco por livros.

Quero um namorado que não seja mais vaidoso que eu (por favor!), que não viva de dieta e que beba, sim, uma cerveja com gosto. Um cara despojado, que aprecie os prazeres da vida sem nóias (Você sabe o que isso quer dizer, certo? Ah, ok). Que passe por espelhos sem se procurar neles. E que não tenha uma balança digital no seu banheiro. 

Um homem que jogue futebol – uma, duas vezes por semana - com os velhos amigos (ele tem muitos amigos!). E que ele manje bastante do assunto. Nem precisa torcer pro meu time. Basta entender. E gostar. Como é másculo um homem fanático por futebol! 

Pra finalizar, quero um namorado-homem. Hétero, sim, mas não é disso que tô falando, Engraçadinho... um homem com H maiúsculo, com pegada, com presença, com atitude. Que decida pra onde vamos na maioria das vezes, que ande na frente, mas sempre segurando minha mão, abrindo caminho pra nós dois. 

Que dê passos largos na vida – e que me leve junto. 
Que me encha de orgulho, de admiração. E me preencha de amor.

Não tá difícil, tá?  Sendo o Todo-Poderoso, sei que vai achar esse cara pra mim, não vai?

Fico por aqui, na esperança desse milag... digo, pedido ser atendido asap.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Tim-Tim

- Ouvi dizer que os ingleses acharam a fórmula definitiva da beleza...
- Como é??? A música tá alta, Clebão...
- FÓRMULA DA BELEZA! 
- Ahã - respondeu o amigo, sem entusiasmo, bebericando mais um gole da sua caipiroska. Era a segunda daquela noite.
- Então... chegaram à conclusão que com sete latinhas de cerveja na cabeça você acha a maioria das mulheres interessante.
- Ah, é? - agora parecia interessado.
- É. E que se esse lugar for mal iluminado, a probabilidade de você partir pra cima de uma mulher que não te atrairia em condições normais é enorme. Tipo... um índice de 90%. Coisa grande mesmo.
- Pô, e agora?
- Pois é, cara. E agora? É o caso de parar de beber?
- Tá louco? - "mata" a caipirinha, num gole caprichado - O caso é parar de ser mané, fresco, e encarar a mulherada. Peito aberto, brou. E já no segundo copo, pra não perder tempo. Uhuuu!
- Uhuuu!!! 

* duas amigas, nos arredores, acompanharam sem querer a conversa. Olharam-se, em profunda análise. Délia resolveu falar:

- Vem comigo, Cátima. Tem um cantinho mais escuro ali, bem perto do bar. Não custa nada potencializar nossas chances, né mesmo?

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

A pergunta que não quer calar

Num relacionamento, mais cedo ou mais tarde, acontece:

Fingindo descaso, homens perguntam a suas amadas quão experiente ela é. Quantos parceiros sexuais ela teve. Péssimos atores, os rapazes bem que tentam camuflar a complexidade da questão, mas uma certa tensão nos ombros, suor nas mãos e a voz meio tom acima entregam a problemática toda.

Então, num consenso inédito entre mulheres de todo o mundo, chegou-se a números mágicos, testados e aprovados:
- até os 30 anos, foram 5 os homens que passaram pela nossa cama - isso admitindo uma tardia, e desejável, estréia no esporte.
- dos 30 em diante, caso seja ou já tenha sido casada, o número adequado é 8. Solteironas vão de 12.

Assim, o teste da experiência sexual é dado por encerrado. E o relacionamento segue sem atropelos maiores. Até que o próximo momento saia-justa se apresente. Costuma ser o papo sobre pensar em ter filhos um dia. Pra essa pegadinha, o conselho mundial masculino ainda não definiu a tática matadora. E a confederação feminina não baixou normas que ajudem na abordagem.

Costuma ser um desastre. Com poucos sobreviventes.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

25/1 - uma carta de (quase) amor pra SP

São Paulo,

Hoje é o seu aniversário - e o desejável era que eu te enchesse de elogios. Que falasse de gratidão, de respeito e de amor. Fiz isso anos e anos, sempre com muita verdade. Mas, Sampa, hoje eu não consigo. Não dá pra te tratar de forma apaixonada. Eu e você, estamos em crise. 

Claro que ainda existe carinho. Admiração. Amor, até. Mas não daqueles incondicionais. O amor que temos para hoje é: ‘te amo nos finais de semana e feriados’, ‘amo você quando não chove’, ou ‘dentro da segurança do meu apartamento’. Meu amor por você se encontra na patética categoria do “quando”: ‘te amo, São Paulo, quando estou fervendo numa das suas baladas incomparáveis’. ‘Amo quando quero ir ao cinema e sempre encontro uma sessão disponível, quando quero comer e em qualquer esquina tem uma refeição incrível, ou quando vejo que aquela turnê internacional confirma sua passagem por aqui’. Porque é aqui onde tudo acontece, certo? Sim. E daí?

Nossa relação hoje é essa, cidade: amo você quando isso ou quando aquilo. Não é sempre. Aliás, é raro. Porque na maior parte do tempo me enervo, perco a paciência, te questiono (e me questiono). Sei que tudo que tenho devo a você. Mas sei também o duro que dei pra, ao seu lado, conquistar o que é meu. Estamos quites, não estamos? 

Sei que tudo o que sou é reflexo da minha experiência contigo. Uma discipula à sua imagem e semelhança: inquieta, ambiciosa, batalhadora, cosmopolita. O problema é que ando repensando esse conjunto de “qualidades”. Tanto agito não anda me fazendo bem. Nem a mim, muito menos a você, cidade. 

Não, não existe outra na minha vida. Não penso em me mudar pra lugar algum (bem, talvez passe pela minha cabeça vez ou outra, encurralada em suas avenidas, sufocada pela nuvem permanente de monóxido de carbono, ou ameaçada pela correnteza que se forma em 5 minutos de chuva forte. Pensando bem, situações como esta estão se tornando corriqueiras. Considerar abandonar você é traição?)

Na verdade, SP, estamos presas uma à outra – as pessoas que amo estão aqui, minha carreira está aqui, algumas conquistas pessoais também. Talvez o amor esteja se transformando em dependência. Talvez seja só uma fase. Ou eu esteja ficando velha para uma relação tão intensa. Talvez eu queira a sorte de um amor tranquilo (para, em dias, descobrir que nada tenho de pacata e morreria de tédio em tempo recorde). Talvez eu precise de um amante. Uma casa do mato. Pra voltar a ter olhos para sua beleza não-óbvia. Pra voltar a me apaixonar por você. 

Seja como for, parabéns, Sampa! 

Te amo (ainda que de vez em quando).

domingo, 24 de janeiro de 2016

25/1 - São Paulo, meu amor

Ela é...

Completa em seu ecletismo. 
Acolhedora, no seu jeito duro de ser. 
Interessante, desafiadora. 
Irriquieta, sem dúvida ambiciosa. Incansável, como só ela.
E um que prepotente. Diz que é sem querer...

Companhia perfeita para a turma dos boêmios, dos intelectuais.
Da galera simples, dos descolados ou não, das diversas tribos. 
Caótica, sim. Anárquica? Não mesmo.
Generosa. Definitivamente. 
Inexplicável. Ou melhor: imprevisível.

Noturna, em sua essência. 
Misteriosa, em suas nuances. 
Surpreendente, em cada detalhe.

Boa de garfo, boa de papo. 
Fascinante. Forte. Independente. Intimidadora.
Verdadeira. 

Do mundo. 
Pra todo mundo.

Parabéns, cidade.
Meu espelho, minha síntese, grande amor.