domingo, 25 de dezembro de 2016

Ressurreição

Era hora de andar com o cachorro. A cabeça latejando pedia uma neosaldina. Na verdade, duas. Medicada, fui me arrastando até a rua, puxada pelo pet. Podia virar à direita e seguir até a pracinha. Pra esquerda e o destino seria a banca de jornal. Mas resolvi atravessar a rua e entrei no cemitério, meu peculiar vizinho. Tranquilidade, silêncio, verde, alguns postes... tudo o que eu precisava naquele momento. Bom, talvez precisasse mais que isso: pensar na vida era minha necessidade mais urgente.

E em meio a lápides, flores murchas e cheiro permanente de vela, veio o óbvio pensamento da morte. Matutei sobre a finitude, sobre a única certeza que temos (morrer), a importância de dar valor às coisas que importam, a urgência de realizar sonhos e viver e tal. 

Mas também pensei que as coisas precisam ter um fim pra que outras situações surjam. Ou simplesmente pra dar um fim às coisas mesmo, nem que nada surja por causa disso.

Como é difícil a última pá de cal... Que sacrifício assumir a morte de algo ou de alguém (figurado) e, assumindo, passar pelo ritual: velar, enterrar, tentar esquecer, seguir em frente. Nesse sentido, a morte é muito justa: não existe esperança. Acabou. Fim. Ninguém se engana a esse respeito. Você só tem uma saída a partir dali: aprender a viver sem. Uns se saem melhor, outros nem tanto. Outros simplesmente não conseguem e vivem a visitar a lápide, colocar flores (na maioria das vezes, de plástico - afinal, "as flores de plástico não morrem"), remoer a história, esperar o milagre. 

Pensando bem, o único milagre possível no fim definitivo de algo/alguém é a chance de viver algo/alguém novo. É o SEU recomeço e não o daquilo/daquele que morreu. Essa é a ressurreição possível.

Teria ficado muito mais ali, pensando na vida (ou na morte), elocubrando os enterros que preciso fazer, não fosse a escuridão que tomou o lugar. E se tem alguma coisa que me bota medo nessa vida é um cemitério à noite. Cheio de fantasmas que eu mesma criei.

Nenhum comentário:

Postar um comentário