domingo, 8 de janeiro de 2017

Mosca branca

Ele acabara de dizer “a” frase. A tal, que volta e meia fazia as honras na vida de Raquel, sempre em momentos estratégicos, quando tudo parecia ir maravilhosamente bem. Bem até demais.

- Você é uma mulher rara, tipo uma mosca branca. Tenho medo de você.

Essa era “a” frase. O ineditismo ficou por conta da expressão “mosca branca”. Mas o “medo de você” era manjadíssimo.

Raquel bem que tentou, mas não houve jeito: revirou os olhos, sinal claro de que aquele papo era pra lá de familiar. Com o maxilar travado, sentindo a boca secar instantaneamente, começou um origami patético com o guardanapo da mesa do bar. E resolveu fugir dali. Em pensamento.

Não foi muito longe. Voltou alguns meses, talvez um ano, numa sessão de cinema privê com seu “prospect” da época. Vinho argentino, filme espanhol, tudo caminhando para uma noite calientíssima. Mas então veio “a” frase: 
- Você me dá medo, sabia?
- Ahn? Como assim?
- Não é medo, medo... você é muito pra mim. Sei lá. Não consigo administrar e...

Raquel dobrou mais uma vez o guardanapo e cerrou os olhos, em busca de alguma boa lembrança que, definitivamente, a tirasse daquele embaraço. Rememorou um dia quente de verão, no escritório, nos idos de 2012. Tinha recebido um email do ex-amigo, que tinha virado amante e que dava pinta de ser seu mais novo namorado. 

A mensagem começava assim:
- Quel, Quel! Você é uma Ferrari...
Uau, pensou Raquel. Ajeitou-se na cadeira, toda-toda, enrolando os cabelos com os dedos, para continuar a leitura:
- E eu sou, tipo assim, um Rubinho Barrichello. Não sei pilotar uma Ferrari, Quelzinha. Simplesmente não sei. Vexame, né?

Raquel sentiu seu estômago revirar e então foi despertada pela voz do paquera no bar:
- Você tá legal? Raqueeel? Quer mais um chope ou alguma outra coisa?
- Me dá um gole da sua H2o?

Sorveu o líquido insosso e, ao senti-lo queimar as entranhas, lembrou da conversa que teve com o dito homem-da-sua-vida. Podia até se lembrar da data e hora exatas, enfim:

- Mas, Gustavo... Você até queria se casar comigo e, do nada, pulou fora. Voltou pra sua primeira namorada... eu, eu... desculpa. Mas eu só queria entender. Pra poder seguir com a minha vida, sabe? Queria saber onde eu errei. Quero me livrar disso...
- Você não errou em nada, minha linda. Eu... sei lá... Quer saber? Eu me sentia ameaçado. Do seu lado eu era o namorado da Raquel. Com a Camila, eu sou o Gustavo! O homem da vida dela. 
- Mas você é... você era o homem da minha vida! 
- Você dizia isso, mas como eu podia acreditar? Você tinha sua casa, seu carro, sua carreira, sua independência. Pra que ia precisar de mim? E eu começando um trabalho novo, ainda batalhando pelas minhas coisas... Vê? Eu me sentia um qualquer do seu lado. A verdade, gata, é que você me deu medo! 

Raquel sentiu a H2o voltar pela garganta. Tentou tapar a boca e evitar o desastre. Mas a bebida voltou com a força de um tsunami. Explodiu entre os dedos, pelo nariz, atingindo um raio recorde de vários metros. Foi um Deus nos acuda. 
Num misto de vergonha, desespero e ira, Raquel levantou-se. Mas antes de ir, enxugou a boca na manga da cara blusa que vestia e disparou:

- Mosca branca a putaqueopariu!

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