segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Ficha cadastral

Tanara era uma mulher de poucas verdades absolutas. Mas uma certeza ela tinha: era preciso arrumar novos homens-cadastros. Era hora de um recadastramento completo, irrestrito. O fichário atual (atual?) cheirava a mofo e tinha a aparência velha, gasta. Diria até cansada.

Tanara sabia o que tinha que fazer: desfazer-se daqueles amarelados e previsíveis homens-cadastros. Zerar, jogar no lixo, começar tudo de novo. Buscar fichas inéditas, dos mais variados perfis. 

Era preciso um cadastro cultural, companhia perfeita para teatros, saraus e afins. Cadastro urgente: um corinthiano, para as ensolaradas tardes de sábado (sim, sábado, em tempos de segundona), com direito a sanduíche de pernil e palavrões à revelia.

Outra urgência era um cadastro cinéfilo, claro, que seria requisitado em várias noites de domingo. Ah, e era preciso também um baladeiro, de preferência lindo de doer, para festas, aniversários, eventos do trabalho, de forma a servir de belo acessório junto com sua bolsa falsificada LV.

O fichário era sanfonado, delirava Tanara, e tinha espaço de sobra para os novos homens-cadastros que estavam prestes a serem incorporados. Haveria de caber um com pegada forte para momentos de puro prazer carnal. E outro sensível, para papos-cabeça regados à cerveja de garrafa num boteco qualquer da Vila Madalena. 

Mas nem mesmo a lista de apetitosos-possíveis-novos-cadastros fez Tanara esquecer a dura, crua e totalmente sem graça realidade: atualizando ou não seus pretês, a moça vivia à sombra "dO homem". Aquele que nunca curtiu teatro e fugia da badalação. Fã de Bruce Lee, um homem de beleza rude - ou de beleza nenhuma - sem tato nem paciência para papo sério. O fulano sequer torcia para o Corinthians! Pegada? bem, pegada ele tinha. 

Era apenas um cara. Que, vai entender, nunca se encaixou no fichário. Mas que era o dono do armário. O armário (trancado) que era o coração de Tanara.

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