domingo, 8 de janeiro de 2017

Divã


Aquela sessão prometia ser particularmente dolorosa. 

Tereza queria fugir da tarefa de contar em detalhes o término escandaloso do seu pseudo-relacionamento. Não queria relembrar a humilhação que passou ao ver seu “rolo” apresentando aquela fulana para todos os amigos como sua “nova namorada”. 

Namorada? Como, se o fato dele ter sido um mero “rolo” era justamente porque ele não estava pronto para compromisso? Não naquele momento? 

Ela estava realmente destruída. Era difícil repassar toda a história com sua terapeuta, mas mais difícil ainda era lidar com ela, a história, sozinha. Pediu para antecipar a sessão, e, pela primeira vez em seis meses de terapia, chegou antes do horário. Folheou, distraída, algumas revistas, esperando que os minutos passassem logo e a tortura do desabafo, idem. 

Então, a porta se abriu e se ouvia a voz animada de Dayse (ela sempre estava animada) se despedindo de alguém. Tereza levantou o rosto amassado a contragosto e avistou "ele": um belo espécime engravatado, num alinhadíssimo terno escuro. Seu perfume encheu a recepção e quando ele olhou para Tereza, ainda sorria. 

A moça, num ímpeto, se levantou e os dois ficaram cara a cara, em situação embaraçosa, espremidos entre a poltrona e a mesinha de centro. Sorriram, se desvencilharam, ele se foi e ela deu de cara consigo mesmo, no espelho da sala. 

Checou sua figura e corou: olheiras profundas, cabelo em dia ruim, calça de moletom. Por alguns segundos, Tereza não pensou no seu ex-que-nunca-foi-namorado. Pensou, isso sim, naquele homem cheiroso que a tinha visto num dos meus piores dias. E quis se matar. Não literalmente.

Dayse cumprimentou Tereza com um enorme sorriso e sacou: “bonitão, né?”. A sessão começou diferente do previsto. Depois daquele flerte desajeitado, Tereza reavaliou sua história - ela pareceu menos trágica - e o desfecho, quase uma benção, uma chance para que algo realmente importante aconteça.

Meses se passaram. Com a ajuda de Dayse, que transferiu a sessão de Tereza para o mesmo dia da de Cleber (esse é o nome do bonitão), os “analisados” trocaram telefones, saíram algumas vezes, começaram a namorar. Por conta da ética, um deles precisava sair da terapia e foi assim que Tereza deu adeus ao trabalho com Dayse, fortalecida pelo novo e quase perfeito relacionamento amoroso. 

Quase, eu disse. 

Porque Cleber oscilava o humor com freqüência, explicando ser reflexo daquele momento crucial da terapia. E sua falta de paciência com Tereza aumentava a cada dia.

Até que Cleber sumiu. Tereza ficou transtornada e a primeira coisa que lhe ocorreu foi procurar Dayse. Com ela, conseguiria notícias do amado, ou, na pior das hipóteses, recomeçaria a terapia para juntar os cacos.

Não encontrou a psicóloga. Segundo a vizinha, Tereza tinha fechado a clínica e se mudado para Santos. Tudo em nome de um novo amor de nome ... “como era mesmo? Ah, Cleber”.

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