domingo, 8 de janeiro de 2017

Check-in

Da poltrona 14b, Nádia esticava o lindo pescoçinho, aflita. O vôo era para Brasília, e vôos para Brasília eram especialmente interessantes. Principalmente para ela, que tinha uma convicção na vida: iria encontrar o homem da sua vida “nos ares”. E Nádia sabia exatamente como começou essa certeza. 

Era menina-moça, 13 anos, seios ainda em formação, boca virgem, como era todo o resto. Numa "Sessão da Tarde" qualquer, ela se encantou com um filme. A mulher, desgostosa da vida, tomou um avião de volta para sua terra natal. No auge da sua desesperança (tinha rompido com sua alma-gêmea), mal notou o homem que sentou ao seu lado. Resumo da trama: entre turbulências e silêncios constrangedores, os dois se apaixonaram. A 300 mil pés de altura, em parcos 90 minutos de vôo. Daquela tarde em diante, Nádia via, em cada trecho voado, uma oportunidade mágica de, finalmente, ser feliz no tal jogo do amor. 

Pensou até em ser aeromoça, mas a taquicardia que sentia toda vez que pisava dentro de um avião a fez recuar. O que podia fazer (e fez) foi arrumar um trabalho que a colocasse constantemente em altitude de cruzeiro. Representante comercial de uma grande empresa. Era, no mínimo, uma viagem por semana – e uma vez por semana ela se dispunha a sofrer um pouco. Já se passavam 2 anos nessa função. Nada do grande amor acontecer. E nada de passar o medo de voar.

Brasília era sempre uma excelente pedida. 95% dos passageiros eram homens. 80% engravatados. Nadia, definitivamente, gostava dos almofadinhas. Dessa vez ia acontecer, ela tinha certeza. 

Interessantes espécimes masculinos passavam pelo corredor, olhando seus tickets e conferindo seus lugares. Um, muito charmoso, depois de ficar em dúvida perto da fila 14, (e deixar Nádia sem fôlego) sentou-se na 13. Dois rapazes, lindos, diminuíram o passo quando viram Nádia. Cochicharam entre si, sorriram, mas passaram direto – eram da turma do fundão. 

O fluxo de passageiros estava rareando, e nada de aparecer seus companheiros de fileira. Fazia 6 meses que Nádia tinha mudado a tática: desde então, pedia a poltrona do meio (“pra aumentar as chances”, ela explicava às amigas, que acompanhavam sua saga, entre risos e suspiros de pena da pobrezinha). 

Ao ajeitar sua bolsa sob seus pés, Nádia escutou uma voz grave: - “licença?”. 
Seus olhos radiografaram demoradamente aquele corpo grande e másculo, vestindo um impecável terno azul escuro. Se ateve no peitoral desenvolvido do rapaz, até chegar ao rosto. E que rosto. Maxilar quadrado, barba cerrada, sorriso encantador e olhos escuros acompanhados de cílios grandes. Era um conjunto incrivelmente sedutor.
Com dificuldade, Nádia levantou-se. Tentou um sorriso sexy e respondeu, em tom baixo: - “pois não”.

Foi então que Nádia viu. Atrás do tal estava uma mulher alta, magra, cabelos curtos, rosto perfeito. E de mãos dadas com o ex-futuro amor de Nádia.
- Querida, vá você na janelinha, eu fico no corredor. – e virou-se para Nádia, mais sedutor que nunca. - A não ser que a moça troque de lugar comigo.
- Claro, claro...
- É que eu morro de medo de avião, preciso segurar a mão dele pra me acalmar. – disse a modelão, mostrando dentes alvos e, como ela, perfeitos.

Nádia abriu espaço para o casal, enquanto sentia seu rosto arroxear. Os ombros despencaram, dando a Nádia a figura da própria derrota. Uma cena de dar dó.

Brasília nunca foi tão longe. Folheando sem ler a entediante revista de bordo, Nádia esforçava-se para não fixar o olhar nas mãos entrelaçadas dos pombinhos ao lado. Era muito azar, remoía. Nem era falta de sorte. Era azar, dos grandes. Nunca, nunca, tivera a oportunidade de se sentar ao lado de algum homem interessante nos vôos semanais que fazia. Eram hordas de velhos, ou obesos, ou ensebados. Quando não eram tudo isso junto. Houveram muitos nerds com seus notebooks, muitos rapazinhos cheios de espinhas na cara, dezenas de crianças agitadas e barulhentas. Mulheres? De todas as formas e tamanhos. Já tinha se empolgado algumas vezes com homens bonitos ao seu lado, mas a euforia passava logo: eram gays. Interessados, sem exceção, nos comissários de bordo.

Era um azar enorme. Melhor rever sua tática. Mudar de emprego. Trabalhar numa repartição pública e desistir dos vôos. E dos homens. 

Na volta para São Paulo, Nádia não se preocupou com maquiagem. Nem se esmerou em escolher a melhor roupa. Até esqueceu de colocar perfume. De cara limpa, tailler cinza-Brasília, envelheceu 10 anos. Fez o check-in sem ânimo, mais preocupada em checar emails no seu iphone. A atendente, solícita:
- Janela ou corredor?
- Tanto faz. O vôo tá no horário, né?

A moça fez que sim e, antes de assinalar a poltrona daquela passageira tão insípida, ouviu o comando vindo de seu discreto “ponto”, colocado estrategicamente em sua orelha esquerda:
- Põe essa aí do lado de um bonitão. Perigo zero.
A atendente olha a tela do computador. A figura de um avião, quase lotado, tem poltronas em cores diversas. Assinala a 9C, que ganha a cor pastel. Na 9B, uma poltrona azul-celeste.

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Longe dali, na CAF (Central das Aeroviárias Felizes), o trabalho ferve. Centenas de moças, barulhentas e muito maquiadas, falam alto em seus telefones pendurados na orelha, enquanto apertam os olhos, atentas às imagens geradas por câmeras instaladas nos check-ins de vários aeroportos. 

O trabalho aumentou muito nos últimos anos, reclamaram na última reunião do sindicato. O número de mulheres bonitas viajando sozinhas - ou seja, concorrentes - cresceu consideravelmente. Não estava fácil garantir que os melhores partidos do país estivessem sempre disponíveis para as aeromoças e demais profissionais do setor aeronáutico. Era preciso reforços. 

Pelo bem da aviação nacional.

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