terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Paradigma

Era o quinto encontro deles e tudo indicava para uma paixão arrasa-quarteirões.

Ela, exibindo um sorriso tolo nos lábios em tempo integral. Ele, em postura cada dia mais peito-de-pombo, tamanho bem-estar. 

O moço resolveu investir feito gente grande naquele começo. Sem dúvida, ela era diferente, merecia atenção especial, armamento pesado de conquista. Não que ele duvidasse da reciprocidade do sentimento. Ela era… transparente! Nada de jogo, nem de poses. Talvez por isso, por toda essa novidade, é que ele quis garantir o coração daquela mulher. Sendo o melhor que podia ser. E ele era realmente muito bom em muitos aspectos.

Chamou-a para jantar. O lugar? Ele decidia. Ora bolas, ele estava convidando! Era pegar ou largar. Ela adorou a iniciativa - ela sempre adorou homens com iniciativa -e topou. O destino era um hotel bacana num bairro nobre. Ela estranhou, claro.

Os questionamentos iam começar, quando ele a calou com um beijo suave e avisou: 
- Quero cozinhar pra você. Reservei esse flat, fiz compras, deixei tudo pronto lá em cima… passei o dia planejando isso. Por favor, não me faça essa desfeita… entra comigo?

(recusar, como? Por muito menos, pelo simples beijo suave, ela já teria dito sim).

Subiram. Maravilhada, ela conferiu o ambiente. Tudo arrumado. Cheiro de incenso recém-queimado. Duas taças emparelhadas sobre a bancada. Um pote cheio de morangos enfeitando a pequena mesa de centro. E ele ali, já vestindo o avental – e conseguindo um efeito másculo ímpar.

Enquanto preparava spaguetti ao funghi, falava. E falava. Era tão fácil conversar com ela… os assuntos fluiam, ela tinha opiniões fortes, inteligentes, divertidas. E complementares. Era estimulante, ele gostava disso. 

Ela, em contrapartida, sentia dificuldades para dizer qualquer coisa interessante. O cenário era pra lá de perturbador: um homem bonito, com excelente papo, português impecável, e que estava cozinhando. Pra ela. 

O jantar foi perfeito. Vinho branco do bom, risadas, comida bem feita, carinhos, olhares, MPB no som, gestos. E morangos, dados na boca, num manjado – e infalível - jogo de sedução. 

No saciar de uma fome, outra crescia silenciosa, poderosa, impossível de conter. 

De mãos dadas, sem perder o olhar um do outro, seguiram para o quarto. Lá, mais surpresas. De flores amarelas enfeitando o criado-mudo, a velas prontas para serem acesas. Cremes de um lado, mais morangos de outro. 

E duas pessoas, mais que prontas para se tornar amantes, em altíssimo estilo.

Entre amassos, sussuros e vontades, ela vislumbrou o futuro.

Ali, naquela noite, um novo parâmetro se estabelecia. 
Uma vez experimentada aquela magia, aquele encantamento, nunca mais se contentaria com pequenezas.

Pensou ser aquilo uma sorte tremenda. O início do resto de sua vida repleta de amor e provas de amor. Pensou ser uma verdadeira benção.

Alguns anos depois, ponderou. E julgou aquela noite (e o parâmetro que nasceu ali) sua grande desgraça...

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