sábado, 7 de janeiro de 2017

Não gosto

- Não gosto de beijar. Pronto, falei.

As gargalhadas deram lugar a um silêncio incômodo. Alguém arriscou uma risada, que ficou fora de contexto. Mas, espera, eu preciso explicar o contexto...

Fim de festa entre amigos, todos já amaciados pela bebida, alguém propõe uma brincadeira: “Não gosto”. A mecânica era das mais simples. Confessar uma coisa que não gosta em absoluto. "Não gosto de domingos"; "não gosto de homem de pochete"; "não gosto de mulher depilada"; "não gosto de tomar banho" e por aí afora. A cada confissão, entre goles de vodca com halls, gargalhadas. 
Foi então a vez do Sandro. E foi aí que ele contou sobre o beijo. 

- É, gente, não gosto de beijar. 

Voltamos à história principal. O clima de descontração deu lugar ao desconforto generalizado. Dedé e Carol se entreolharam, cúmplices não-confessas na tarefa de “ficar” de vez em quando com o Don Juan da turma. Foi Danilo quem quebrou o silêncio:

- Ah, Sandrão. Não gosta de beijar... sei. Não curte beijar mulher feia, né? Claro, pô, quem gosta?
- Não, Dani, to falando em beijar, o ato de beijar. Boca com boca, troca de saliva, essas paradas. Pô, cara, não curto.
- E por que faz? Aliás, por que faz tanto? – disse uma indignada Cris.
- Porque é o caminho pro sexo. De sexo eu gosto. Adoro. Sou tarado por sexo, então eu beijo...

Dedé, que até ali estava se escorando, mareada pela vodca, ficou totalmente sóbria, olhos arregalados, posição alerta. Carol foi na direção contrária: se afundou no sofá, na vã esperança de, quem sabe, desaparecer? Guilherme resolve se meter:

- Cara, mas beijar é bom... esquenta as turbinas! Como é esse lance de não gostar de beijar? Explica isso direito.
- Ai, cara, acho meio ... nojento.

Ohhhh geral.

- Fora que demora, tem que ficar ali, perdendo tempo e tal. E põe língua, tira língua, mordisca, engole, e fica lá... numa enrolação só. E o que é bom mesmo, que é a transa, tem que ficar pra depois. Pô, homarada, vai dizer que vocês curtem beijar? É hora da verdade, as minas precisam saber!

Dedé levanta, derrubando a garrafa de Absolut, e sai pisando firme. Cris vai atrás dela, não sem antes fuzilar Sandro com um olhar cheio de ódio. Carol agarra a almofada e planta os olhos no chão. Cássio enfia a cara dentro da blusa pra abafar a risada. Danilo decide tomar sua vodca num gole só. No mais, é só silêncio. Então o quieto Vinícius intervém, cara fechada e voz de trovão:

- E eu, que não gosto de doce?

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