quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Lua de fel

Ela olhou para o lado e viu seu esposo dormindo, lívido. Esposo... Não conseguiu deixar de rir. Era o terceiro dia da lua-de-mel e ainda achava esquisito chamar o Augusto de esposo. Ou de marido. Tanto fazia. Era realmente estranho.

A brisa que balançava as cortinas do belo quarto 5 estrelas, e o barulho constante e agradável das ondas do mar, lembraram Eugênia de que eles estavam ali, em Salvador, para celebrar o matrimônio. Afinal, era esse o propósito da lua-de-mel, já que a história de consumação não cola há décadas. Não fosse a intoxicação alimentar (“maldita lagosta”, Augusto dizia, entre náuseas e golfadas), talvez eles estivessem andando de mãos dadas sob as estrelas e a proteção de Nosso Senhor do Bonfim. Talvez. Mas nada, nem o santo, mudaria o pensamento recorrente. Um pensamento que vem a acompanhando desde que o avião pousou em solo baiano: ela queria o divórcio. 

Olhou novamente para Augusto, largado na cama, a cabeça amparada por uma toalha – just in case. Em profundo silêncio e total ignorância, ele dormia. Não tinha a vaga idéia de que ao seu lado, sua recém-esposa ruminava a idéia da separação. Mas Eugênia não tinha dúvida. Ela queria o divórcio. Só faltava decidir como e quando pedir. 

Acarinhou a barriga e olhou seu perfil no espelho próximo à cama. A gravidez entrava em sua 14ª. semana, os enjôos cessaram e a fichava começava, finalmente, a cair. Grávida. Casada. Apavorada, entregava a fisionomia tensa que refletia no espelho. Terminar um casamento aos 3 minutos do primeiro tempo não estava nos seus planos. Não queria ser taxada de leviana. Mas existia palavra melhor?

Quando Eugênia soube que estava grávida, Augusto riu da choradeira da namorada, abraçou-a forte e disse, aparentemente despreocupado: “a gente casa e pronto, amor”. O efeito tranqüilizador daquela frase foi vapt-vupt. Eugênia secou as lágrimas e fitou o namorado, chocada. Aquilo era inesperado. Na verdade, um tremendo ato romântico, ainda mais vindo de um economista especialista em planilha Excel e que um dia teve a pachorra de dizer: “defina saudade...”. 

Da longa noite dos 5 testes de farmácia, até a cerimônia propriamente dita, foi um estalar de dedos. Pelo menos na percepção alterada de Eugênia. Cheia de hormônios, de fome, de enjôos e sono, ela não se lembra direito porque escolheu aquele vestido cheio de bordados e camadas, tão diferente do modelo tomara-que-caia e justo, que desenhava desde menina. Também custa a entender como a lista de convidados bateu a casa das 4 centenas de pessoas, se o seu sonho era algo menor, para poucos e bons. Foi só no vôo a caminho da Bahia que ela parou para se perguntar: quem tinha escolhido strogonoff como prato principal do jantar de casamento, se ela nem gosta de strogonoff?

Augusto se ajeitou na cama à procura da mão de Eugênia. Apertou-a com um tantinho de força. Eugênia sentiu seu coração acelerar. E seus olhos marejaram. Talvez ela pudesse esperar um pouco. Depois que o filho deles nascesse. Claro, depois disso. Deitou-se ao lado de Augusto, aninhando-se ali. Podia esperar, sim, mas não por muito depois. A criança não pode se apegar demais ao pai, analisou. Assim que chegasse em São Paulo, daria uma “googlada” sobre qual a menos pior fase para se pedir o divórcio, do ponto de vista dos filhos. Faria isso, logo que chegasse no apartamento. Deles.

Olhou para o marido (era muito esquisito chamar Augusto de marido, definitivamente) e lembrou da noite da concepção. Vinho, muito vinho, um fracassado fondue, que grudara na panela, risadas exageradas, beijos e mais risadas, beijos e mais beijos, uma vontade maior que a prudência e a promessa vã: “eu tiro antes, eu juro que eu tiro, amor...”. 

Leviana. Era essa a palavra.

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