segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Mentiras Sinceras

Sara já disse a verdade numa época. Muitas verdades. 

Na verdade, até uma certa idade ela só dizia a verdade. 
Formação romano-cristã, tinham ensinado a ela que o certo era ser sincera. E que isso lhe garantia o céu.

Nesta época, dizia a quem queria escutar todas as suas vontades e verdades. Sua vida era como um livro escancarado. Era uma mulher independente e adorava verbalizar isso. Tinha personalidade forte e deixava claro nas suas tomadas de posições. Era bem resolvida, sabia o que queria, como queria, sem papas na língua. 

E era sozinha. Tremendamente sozinha.

Hoje as coisas mudaram. Sara mudou. Faz algum tempo que não diz mais a verdade. 


Da boca dela, por exemplo, não sai mais nada a respeito da sua carreira bem sucedida. Ela nem se vangloria a respeito dos bens que acumulou. Seus luxos são mantidos em segredo. Para todos os efeitos, tudo o que ela tem veio dos seus pais. A profissão é mal-remunerada, diz. E inventou um cheque especial implacável, que a priva de mimos. Sim, ela depende de seu homem hoje. Aceita que ele pague todas as contas. Que a busque em casa (seu carro é popular, precisa de revisão urgente). E que decida por viagens mais modestas, de forma que ele possa arcar com as despesas – e que ela, vez ou outra, pague a sobremesa do jantar. Por delicadeza. 

No sexo? Ah, no sexo.. ela não ousa dizer que não gozou, nem tenta ser franca e dizer o que realmente a satisfaz. Aquilo parecia inadequado quando ela era adepta da verdade. As caras assustadas – e frustradas - de seus amantes indicavam o caminho ideal para um bom e longo relacionamento. Fingir o gozo, simular o prazer. Hoje, ela finge, e finge bem. Anos de treino a deram a segurança de uma atriz tarimbada na hora do sexo. O papel está internalizado. Ela nem tem mais a esperança de chegar lá espontaneamente. Ou simplesmente a questão do papel a desempenhar não deixe espaço para o prazer verdadeiro. Verdades não cabem em sua cama. Não mais. Hoje ela finge. E ele goza. Sistematicamente.

Essas e outras mentiras, aperfeiçoadas com o tempo, garantiram a Sara, finalmente, um relacionamento duradouro. O namoro com Carlos, ou o milagre, como ela sempre brinca, dura 2 anos. 

Anos de mentiras renderam também uma bulimia. Se ela tem que engolir tantas mentiras, não sobra espaço para a comida. Taí uma verdade.

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