domingo, 8 de janeiro de 2017

Manobras Corporativas

- Querida, vamos almoçar?
- Hum... acho que dá sim. O senhor sabe, muito trabalho...
- Trabalho, trabalho. Eu seguro a entrega desse orçamento pra mais tarde. Tem um restaurantezinho não muito longe, é tranqüilo, dá pra gente conversar sobre o job. 
- Claro, tem razão. Vamos sim. Agora, é?

Olhares trocados por toda a seção. Silêncio. Apenas sons de digitação, desconexos. Alguém deixa cair um talão de notas. Gabriela, recém chegada na empresa, pega a bolsa e sai atrás do Sr. Geraldo, o chefe.

- Você está se saindo bem, Gabriela. Foi um achado sua contratação, parabéns.
- Puxa, obrigada.
- Mas me conta, como anda o job do frigorífico? Vejo que você tem algumas dúvidas...
- Nossa, tenho... 

E a conversa segue por essa linha. Cobranças, prazos de pagamento, taxas. Chegam ao carro. Cavalheiro, ele abre a porta para a funcionária, que sorri, sem graça. Dá a volta, esbaforido, e entra.

- ... e não sei exatamente como lançar esse tipo de débito na nossa ferramenta de gestão... Nada que eu não aprenda, viu?
- Tenho certeza disso. Coloca o cinto.
- Sim, sim...e então o cliente questionou quais as tavas que estavam sendo aplicadas, o senhor sabe, temos que embutir a nossa taxa e fiquei sem resposta e...
- Trave a porta, querida.
- Hum. Onde exatamente. Onde fica o pino da porta? Mas como eu ia dizendo, fica difícil, porque o cliente...

O braço suado e um pouco peludo demais do Sr. Geraldo avança em direção à porta do passageiro. Passa em frente à Gabriela, que se cola no banco, de forma a dar espaço para a manobra. Prende a respiração. O corpo do chefe se projeta para o seu lado, ameaçadoramente. Ao buscar o tal pino na porta, o cotovelo do homem encosta nos seios da sua subordinada. Ele tem dificuldades em finalizar a ação e, assim, o braço dele pressiona ainda mais o corpo de Gabriela, em movimentos circulares. A moça estoura numa frase:

- Contei pro senhor que meu marido luta jiu-jitsu? Ah, esqueci que tinha combinado de almoçar com ele, se me dá licença...

Sai do carro, em disparada. Não sem antes perceber a movimentação de pessoas na escada do estacionamento. Deu para ver a D. Iolanda, a secretária míope, pegando seus óculos que tinham ficado no meio do caminho. Alguém ainda falou (o eco da estacionamento a propagar):

- Era a tática do pino! Eu vi...

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