terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Dois e dois

Acabou. Não existe mais. Quem aproveitou, aproveitou. A nova geração nunca vai saber como é dançar música lenta. Uma morte triste, a se lamentar profundamente.

Dançar coladinho é um comportamento extinto. Não consigo precisar quando e como aconteceu. Mas o fato é que não existe mais o ritual da música lenta. Um ritual que, ao primeiro acorde de um Lionel Ritchie da vida, fazia as garotas experimentarem um frio na espinha, e os rapazes tomarem a iniciativa da conquista.

De um lado, ficavam as meninas, cheias de expectativas. De outro, estavam os garotos, a caminho de seus alvos. Uns esticavam a mão, gentis. Outros, mais auto-confiantes, apenas acenavam com a cabeça. Sorrisos tímidos, olhares sem graça, passos desengonçados. E dava início o jogo. Uma versão ultraromântica do caçador-atrás-da-sua caça. Mas que fique claro: um abate consentido, desejado, com uma trilha sonora inspiradíssima.

Ao som de hits do Earth, Wind & Fire, o homem desenvolvia a determinação. Passava por cima das suas inseguranças. Era a auto-estima se fortalecendo. Já a mulher aprendia a usar artifícios sutis de sedução, para se destacar entre as concorrentes e ser a escolhida. Ainda que lhe restassem manhas e artimanhas, por ser a caça, a mulher treinava a paciência. E esbanjava feminilidade. Parece careta, antiquado, mas era assim que funcionava, e assim muita gente foi feliz. Fui felicíssima.

Se a “lenta” inspirava comportamentos, o que dizer da revolução na libido dos jovens, diante do contato físico? Seios comprimidos em peitos masculinos, rostos colados, um pescoço desnudo convidativo, perfume no ar, o controle quase sobrenatural dos instintos mais “baixos”. Palavras ditas ao pé do ouvido. Sussuros. Carinhos sutis nas costas. Mãos que denotam nervosismo. Isso sem falar no ápice do beijo, quando ele acontecia. Sempre no momento mais sublime da música do Brian Adams.

Pressa para quê? O jogo da sedução podia durar o bailinho inteiro. Às vezes, atravessava toda uma temporada de festas. Nesse meio tempo, a libido se misturava ao romantismo, virava uma coisa única, algo que trazia valor ao processo. Rendia sonhos, fomentava o amor. Tudo por conta da magia da música lenta.

Magia que os jovens de hoje sequer imaginam como funciona. Porque eles não sabem mais se encostar sem beijar. Porque eles são da turma do “ficar”. Porque eles não passaram pelo treino que é dançar uma, várias músicas, corpo colado, segurando o ímpeto do beijo. E – mais que isso – curtindo cada momento, construindo um caminho que faça do beijo algo absolutamente inesquecível.

Sem o advento da música lenta, o jovem se tornou imediatista. Sem tato. Destreinado para preliminares. Despreparado para o romantismo. Ejaculador precoce. Além de péssimo dançarino.
Pena, não?

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