segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Retratos

Não faz tanto tempo assim: tirar foto era uma decisão difícil. Você tinha que ter certeza de que aquele momento, aquela paisagem, a situação toda merecia um pedacinho do seu caro filme. Trinta e seis, vinte e quatro, doze... ah, os filmes de doze poses, então! Que medo de gastar o clique em algo idiota. Era uma decisão e tanto. Não só pelo dinheiro, mas pela escolha. Fotografou aqui, faltou filme pra fotografar mais adiante. Valia a pena? Medo.

E a ansiedade em ver o resultado? Aquela espera gostosa (às vezes angustiante)... Pagava-se até mais pela revelação express, um luxo. E se suas fotos tinham conteúdo mais, digamos, íntimo, era melhor evitar as lojas do shopping. Elas revelavam suas fotos sob o olhar curioso do público. Era uma atração! Vira e mexe apareciam uns nudes. Quase nunca se viam selfies. Também, né, quem gastaria filme com fotos de si mesmo? Quer se ver, vai até o espelho, pô.

Mas então... então vieram as câmeras digitais. E depois os celulares com câmeras. Uma indústria inteira faliu. E a fotografia nunca mais foi a mesma.

Fotografa-se de tudo, várias vezes, de vários ângulos, sob qualquer pretexto. Critério pra que se não precisa "miguelar" o clique? O auto-retrato - ops, selfies - é febre (ficamos mais egóicos?). Fotografar se tornou mais importante do que curtir aquele lugar, aquelas pessoas, aquele momento. Clica, publica, torce pra ser curtido - e sua felicidade chega a depender disso. A ansiedade da revelação de tempos atrás foi substituída pela fissura das curtidas alheias. É tudo tão instantâneo que o velho e bom álbum sumiu junto com os filmes fotográficos. O importante é a popularidade da foto no aqui-agora. Posteridade? Quem precisa disso?

A verdade é que essa mudança no ato de fotografar se reflete também nas relações, que se tornaram descartáveis e instantâneas. É isso mesmo, ou é só nostalgia?

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