sexta-feira, 12 de abril de 2019

A dor que é sair do casulo

"O transe da ayahuasca já passou", pensou Lígia.

A sensação que tinha era de torpor, tipo quando a gente volta da anestesia. Só que, nesse caso, uma anestesia às avessas. Durante o “sacramento”, Lígia sentiu tudo com uma intensidade quase insuportável. Sons, luzes, toques. E foi ruim. Foi confuso. Não teve nenhum grande insight, não viu nada com nitidez, mal saiu do banheiro... um mal-estar terrível a acompanhou quase o tempo todo. Parece que ela precisava colocar pra fora coisas bens ruins e fedidas. Pelo menos foi como ela entendeu e, assim, ficou mais conformada.
Quando não estava no banheiro, estava lidando com sua solidão - ilustrada por várias alucinações escuras e disformes. Essa foi a revelação: Lígia estava só e triste.

Vez ou outra, vinha um conforto: “é um processo, confia. Dê tempo ao tempo”. Mesmo assim, era uma tristeza doída, que se converteu em lágrimas grossas que molharam todo seu rosto. Impossível parar de chorar. Estava se permitindo sentir tristeza e admitindo que está só (e há tempo demais). "Um dia essa solidão vai ter fim", pensou, "mas hoje ela está aí, lide com isso".
Ou... socialize!

E os pensamentos não pararam: “Que tal trocar experiências com as outras pessoas? Se abra! Não ostente sua solidão como se ela fosse uma espécie de troféu. Não é! Você está triste, sua solidão te incomoda. Então, se cerque de pessoas, deixe que elas se aproximem e te vejam – de verdade! Demonstre seus sentimentos, suas mágoas, ou sua admiração, seu carinho, seu amor. Busque o amor nas pessoas, confesse sua carência. Se deixe amar.” Lígia recebia uma bronca daquelas. E vinha dela mesma.

Pós-ritual, mas ainda sob um finzinho de efeito do Daime, ela chegou à conclusão de que foi tudo confuso e soturno por que essa é a Lígia de hoje: fechada, isolada, vivendo a mentira da mulher-independente-realizada-feliz.

Bullshit. 

A verdade é que seu querido e familiar casulo é escuro e frio, e que ele não é mais confortável. "Preciso de companhia. Quero ter as pessoas por perto, de verdade", decretou. E deixou escapar o que a aflige de fato: "talvez, assim, a espera pelo amor se torne suportável. Hoje é só dor."



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